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Justiça penal 'econômica' negociada: reflexões sobre o ANPP e sua aplicabilidade nos delitos econômicos

  • Foto do escritor: Luis Vasconcelos Maia
    Luis Vasconcelos Maia
  • 16 de abr.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 17 de abr.

A expansão dos mecanismos de justiça penal negociada tem remodelado a persecução penal no Brasil, aproximando-a de modelos anglo-saxões centrados na resolução consensual. O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/2019, atua como válvula de escape seletiva para infrações penais de menor gravidade, desde que preenchidos certos requisitos formais.


Em tese, o ANPP visa desafogar o Judiciário, acelerar a resposta penal e viabilizar a reparação de danos. Na prática, sua aplicação a delitos econômicos impõe leitura crítica, sobretudo por parte da advocacia especializada na criminalidade empresarial. É crescente seu uso em crimes tributários, fraudes estruturadas, omissões contábeis e infrações que exigem compreensão técnica das estruturas empresariais.


Muitas vezes os critérios legais — como ausência de violência, pena mínima inferior a quatro anos e confissão — estão presentes, autorizando sua oferta pelo Ministério Público. No entanto, o debate não se esgota na legalidade formal: está em jogo a função simbólica da norma penal no âmbito dos crimes de colarinho branco.


O ANPP se torna problemático quando utilizado como solução automática, sem análise da gravidade da conduta, da complexidade dos fatos ou das lacunas da investigação. Nessas situações, a justiça penal consensual pode comprometer a visibilidade normativa da pena, naturalizando a lógica negocial na repressão penal econômica.


A defesa técnica, nesse cenário, cumpre papel central. Atua como filtro epistêmico, avaliando não só os direitos do investigado, mas a consistência da imputação e os riscos da confissão. Isso é particularmente sensível quando a confissão exigida para o acordo colide com discussões tributárias ainda em curso ou com teses defensivas legítimas — como a ausência de dolo, inexigibilidade de conduta diversa ou atipicidade material. Nesses casos, aceitar o acordo pode implicar renúncia a garantias fundamentais.


Outro ponto crítico é a exigência de reparação do dano, especialmente nos delitos fiscais. Muitas vezes o suposto débito ainda não está definitivamente constituído ou é discutível no plano administrativo. Condicionar o acordo ao pagamento imediato pode violar a presunção de inocência e inverter o ônus da prova, transformando o espaço jurídico em barganha pragmática — o que exige cautela redobrada da defesa.


O Judiciário tem reconhecido que, preenchidos os requisitos, o Ministério Público deve ofertar o ANPP. Porém, isso não significa que sua aceitação seja sempre recomendável. Em casos de imputação frágil, prova inconclusiva ou investigação deficiente, o acordo pode representar confissão antecipada sem contraditório pleno. A confissão, mesmo restrita ao ANPP, permanece nos autos e pode repercutir em eventual persecução futura, caso o acordo seja descumprido.


Do ponto de vista institucional, a massificação do ANPP em crimes econômicos gera efeitos sistêmicos. Quando delitos complexos — como fraudes milionárias ou manipulações empresariais — são resolvidos sem reconhecimento público de culpa, perde-se parte do valor simbólico da pena, que se converte em episódio técnico, esvaziando seu papel comunicativo e normativo.


Por isso, a aceitação do ANPP deve ser fruto de análise técnica e estratégica. Cabe à defesa examinar não apenas os requisitos legais, mas a solidez da imputação, os efeitos extrapenais da confissão e a viabilidade real das condições. Em alguns casos, o acordo é vantajoso; em outros, representa antecipação indevida de culpa. O ANPP deve ser compreendido como instrumento de justiça qualificada, não de pacificação automática.


Se você é investigado por crime econômico e recebeu proposta de ANPP, é essencial buscar orientação técnica especializada. A decisão de aceitar ou recusar o acordo vai além do processo — é estrutural.

 
 
 

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